Descrição para cegos: Uma criança está sentada, em um ambiente um pouco escuro, abraçando os joelhos com a cabeça baixa. Imagem: Google |
Por Vitória Felix
O abuso infantil não se
restringe apenas a violência física ou sexual, ele envolve outros aspectos
importantes, como o psicológico. Por isso, nesta entrevista com a estudante de
psicologia Amanda Gama, que está desenvolvendo uma pesquisa sobre o abuso
infantil na visão psicanalítica, vamos abordar como os abusos podem afetar a
criança e como a psicanálise ajuda na identificação e tratamento.
O que seu trabalho aborda? Quais as pesquisas que
estão sendo feitas acerca do tema?
Amanda Gama: O meu trabalho aborda
sobre o abuso infantil dentro da visão psicanalítica. A psicanálise acredita
que o abuso infantil vem do sexual, um termo usado por Freud, que não se refere
ao ato sexual em si, mas às relações sociais, como conversar, ver alguém.
Estamos fazendo pesquisas a partir de três teóricos dentro da linha
psicanalítica, que são Freud, Ferenczi e Winnicote, em que vamos mostrar quais
são os abusos, quais são os danos e como identificar através de todo o
desenvolvimento da criança. Nós iremos também aplicar um teste francês que
através de desenhos identifica se a criança sofreu algum tipo de abuso, e
aplicar em algumas crianças que sofreram abuso e em outras que não sofreram
abuso, com esse teste nós queremos trazer uma ferramenta que ajude a ver se
tudo que estudamos sobre abuso tem algum tipo de ligação com esse teste.
Quais são os tipos de abusos? E como eles ocorrem?
A.G.: No senso comum se você for
pesquisar no Google, eles abordam na maioria dos sites os mesmos tipos de
abusos que a psicanálise considera, pois a psicanálise utiliza muitos fatos do
cotidiano, do senso comum para aprofundar. Então, a partir disto, nós temos o
abuso físico, que são as agressões como tapas, bater de chinelo, torturas e
outros tipos de agressões. Temos o abuso psicológico, que é expor a criança de
uma forma que a envergonhe, usar linguagem chula, chantagear e intimidar ela.
Há também o abuso sexual, que envolve a parte física e psicológica, ou seja, o
ato sexual com a criança e o abusador falar o que vai fazer com a criança. E
por último temos o abandono e a negligência, o abandono não é caracterizado
necessariamente em colocar a criança na rua, mas também quando os pais dão a
criança para uma avó, tia ou outro parente cuidar, quando a criança mora com os
pais mas eles não dão nenhum tipo de suporte, nenhum apoio, seja vida escolar,
emocional, e de outras necessidades da criança. A negligência é quando a
criança está doente, e os pais não a levam para o médico, deixar a criança por
um longo tempo sem alimentação, não levar ela para a escola e expor a criança
em lugares inadequados para ela.
Como a psicanálise ajuda na identificação e no
tratamento de abusos que crianças sofreram?
A.G.: A psicanálise consegue
identificar através dos comportamentos, se a criança é muito fechada, tem
poucos amigos, é agressiva. E quando se tem a suspeita, nós tentamos fazer
algum tipo de teste ou colocamos a criança para brincar, porque brincando
durante a sessão de terapia a criança pode acabar falando subjetivamente o
abuso que ela está sofrendo, por exemplo, ela está brincando com a massinha e
está fazendo uma cena da família, ao retratar o pai ela coloca um órgão
genital, isso é uma forma da criança dizer o que está acontecendo, e a partir
disto nós aprofundamos mais essa questão do abuso. Então o tratamento é feito
com as sessões terapêuticas, usando principalmente a ludoterapia, que são as
brincadeiras, pois a psicanálise usa meios para a criança pensar em como ela
pode melhorar, não impondo uma série de tratamentos. Por isso quando colocamos
a criança para brincar, nós vamos conversando com ela, perguntando como está a
casa dela, porque ela sem querer pode acabar falando algo que está
machucando-a, a partir disso vamos fazendo perguntas sobre a situação do abuso
e instigamos a criança a pensar em como ela pode encontrar a saída para esse
problema, sobre o que ela pode fazer. E ao longo das semanas, nós vamos vendo
as mudanças que a criança está passando e tentamos melhorar algum ponto mais
critico dela.
Quais são os traumas que esses abusos podem causar
na criança? E quais são as consequências?
A.G.: Esses traumas podem
variar, podemos considerar os traumas como “comuns” e “incomuns”, os mais
comuns são a depressão, isolamento, dificuldade em se relacionar com outras
pessoas, mal rendimento escolar, medo de sair na rua. Os mais incomuns estão
ligados a algo do ambiente ou ao que estava acontecendo momento do abuso, por
exemplo, se quando a criança foi abusada estava chovendo, ela pode desenvolver
um medo por chuva. Esses traumas, independente, de serem comuns ou incomuns,
afetam a vida da criança, algumas podem ter tendências suicidas, podem
desencadear transtornos psicológicos, como a esquizofrenia, estresse
pós-traumático, ansiedade e medos profundos de situações e objetos e baixam a
autoestima.
Quais são os principais traumas psíquicos que o
abuso sexual ocorridos em situações de ambiente familiar pode gerar na criança?
A.G.: Muitas vezes o trauma
psíquico é devastador. A psicanálise através de Freud, explica que durante o
desenvolvimento da criança ela passa pelo complexo de Édipo, por exemplo, a
criança tem uma identificação muito grande com a mãe, então inconscientemente
ela tem ciúmes do pai por pensar que a mãe é só dela. E quando o abuso
acontece, a criança vai pensar, em como ela terá ciúmes de alguém que a
machuca, em como ela vai confiar nele, e isso acaba ferindo a personalidade da
criança e a confiança dela na família, que é a socialização e aprendizado
primário dela, pois é na convivência com os pais que a criança vai começar a
formar sua personalidade.
No caso do abuso sexual, quais são os fatores
psicológicos que levam à criança a denunciar o abusador depois de muitos anos?
A.G.: A criança quando tem uma
ligação emocional com o abusador, por exemplo, o pai dela, pode acontecer que
para proteger a mãe a criança não fala, ou até mesmo por medo do pai, por medos
de brigas, de se expor, ela não fale. Há casos que a criança acaba indo ao
psicólogo por algum outro motivo que não é o abuso, e fala que sofreu o abuso,
mas não explicitamente, isso vai depender muito da criança, pois na psicanálise
nós trabalhamos com a individualidade e personalidade de cada uma. Muitas
vezes, por exemplo, a criança morava com os pais, e aí por algum problema vai
morar com a avó, ela ao ver que não tem mais uma ligação com o abusador, que é
o seu pai, ela conta que sofreu o abuso, justamente por não se sentir mais
ameaçada. No entanto tem crianças que falam somente quando estão adultas ou às
vezes acabam não falando.
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