segunda-feira, 6 de maio de 2019

Carregadores de frete

Descrição para cego: Na foto um adolescente empurra um carro feito de sucata de geladeira. A imagem não identifica o adolescente.
                                                                      Por Julia Oliveira

      Na feira que passo do bairro que moro, enxergo os pequenos carregadores de frete. Disputam a feira das senhoras que fazem as compras, de domingo a domingo. É um passa a passa, um vai e vem. Ninguém olha, só tem medo ou desdém. Às vezes eles chegam e perguntam com os olhos. Outras vezes eles falam e são logo ignorados.

     Quem é mais sociável responde com educação: - Hoje não, dá pra levar na mão. Outras vezes garantem o serviço daquele frágil braço, que carregam o peso dos alimentos no carro de geladeira ou de mão.

    Quem para e presta atenção vê no fundo dos olhos, não se engana não. A pobreza e a miséria levam àquela situação. Quem queria tá ali? Sol ou frio no rojão. Só vai quem precisa, é obrigado ou não tem pão. Se parar pra conversar vê carência de atenção. Ou os dedos cheios de calo daquela "suposta profissão".

   São meninos que precisam aprender bem cedo a se virar. Desde cedo neste mundo sofrem sem parar. Seja por negligência dos pais, ou as condições que lhes foi dada. Seu lugar não é ali. Precisam brincar e aproveitar, essa fase primordial que logo vai passar.

   Um dia desses parei e conversei com alguns. Tinha garoto de 13 anos, outros de 16, eram tudo essa faixa etária de menino ou rapazote. Um deles com brinquedo na mão enquanto aguardava a locação. Sorria feito criança, nem parecia a mesma expressão de quando carregava o peso do frete.

    Outro tinha acabado de ganhar um ovo de chocolate, quando perguntei quem deu, ele falou:- Foi minha mãe que pegou com um pessoal que “tava” dando na praça. Questionei: -Tua mãe trabalha menino? Ele disse que não, só o padrasto que levava para dentro de casa a refeição.

   Falei à ele que um dia queria voltar, encontrá-lo, mas não naquele lugar. Aconselhei que não parasse de estudar, porque educação é que faz crescer e dá esperança para transformação. Meus olhos marejaram enquanto falava com ele. 

   Realidade próxima, mas ao mesmo tempo distante. Lembrava-me dos capitães da areia, aqueles do Jorge Amado. Marginalizados, abandonados e às vezes sem rumo ou direção. São Pedros Bala, Gatos, Professores, Pirulitos, Sem pernas e Voltas Secas. Só que ao invés da Bahia, eles eram do meu bairro.

2 comentários:

  1. Texto incrível! Cheio de sensibilidade e poesia, com linguagem de fácil entendimento. E o arremate, é essa reflexão social, agora com certeza eu vou olhar com outros olhos esses “capitães de areia” do nosso bairro! Parabéns! Vc me enche de orgulho!

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