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Descrição para cegos: foto em preto e branco mostra somente a sobrancelha esquerda, parte do olho e cabelo de uma mulher olhando para cima, à esquerda. |
Na
década de 80, uma das músicas que mais se ouvia nas rádios do país era Camila, Camila, da banda Nenhum de Nós. O que poucos sabem é que a letra desta
canção faz referência ao abuso sexual sofrido por uma jovem e é utilizada
inclusive em campanhas contra o abuso de crianças e adolescentes. Em entrevista
para o blog Childhood Brasil, o vocalista Thedy Corrêa discorre sobre a
temática da canção. Segue abaixo a entrevista na íntegra. (Kamila Katrine)
Desde os anos 80, música“Camila,
Camila”’ alerta sobre a violência sexual
“A
lembrança do silêncio daquelas tardes
A
vergonha no espelho naquelas marcas
Havia
algo de insano naqueles olhos
Olhos
insanos
Os
olhos que passavam o dia a me vigiar, a me vigiar…
Eu
que tenho medo até de suas mãos
Mas
o ódio cega e você não percebe
Mas
o ódio cega” (Camila, Camila)
Quando
ainda pouco ou nada se falava sobre abuso sexual de crianças e adolescentes no
Brasil, a banda Nenhum de Nós ousou abordar o tema na década de 80 com a música
“Camila, Camila“, hoje um clássico do rock nacional. O vocalista e autor da
letra, Thedy Corrêa, conta como sentiu a necessidade de falar sobre o delicado
assunto. Ele também lamenta que muitas músicas brasileiras ainda estimulem o
sexismo e deturpem a imagem da mulher, quando deveriam conscientizar contra a
violência sexual. Acompanhe a entrevista com o compositor:
O Dia Nacional de Combate ao abuso
e à exploração sexual de crianças e adolescentes (18 de maio), foi criado há 12
anos, devido a um crime bárbaro com uma menina de oito anos, estuprada e morta
carbonizada. Quinze anos antes, com a música Camila,Camila, sua banda já
abordava o problema da violência sexual contra jovens. Existem muitas outras
Camilas no país que guardam “lembranças do silêncio”‘ e “vergonha do espelho”.
Você já pensava nisso na época?
Essa
canção foi inspirada em fatos reais, envolvendo uma jovem que nós conhecíamos
na época, em 1985. Era uma colega de escola bastante bonita com um namorado
violento. Ficávamos intrigados com os motivos que levavam uma garota assim a se
submeter e ser maltratada por um rapaz tão estúpido. Ouvimos algumas histórias
de situações constrangedoras que ela sofreu e essa foi nossa “faísca criadora”
para uma canção que falasse da violência contra a mulher. Por isso os “olhos
insanos”, a “vergonha do espelho naquelas marcas”, além da tristeza e
indignação na melodia. Hoje, ela vive super bem, tem uma linda família e está
bem longe desse antigo namorado… Ainda bem!
Até hoje, a música é muito ouvida.
Quando você compôs a letra, já passava pela sua cabeça que poderia ser um
alerta para as adolescentes?
Quando
escrevemos Camila, jamais esperávamos que fosse fazer tamanho sucesso – até
mesmo pela temática complicada. Quando ela estourou, a questão se tornou uma
constante em nossas entrevistas, e isso foi fantástico para que se abordasse o
tema entre o público jovem.
Por que você acha que a música fez
tanto sucesso?
Acredito
se deva justamente à abordagem de um assunto que, infelizmente, ainda aflige a
sociedade e as mulheres em geral. Não se trata de um tema ligado a um modismo
ou uma linguagem datada. O assunto continua atual.
Você pensava na época em abordar
temas delicados como o abuso sexual ou a exploração sexual de crianças e
adolescentes e o que acha que mudou dos anos 80 para cá em relação ao assunto?
Sempre
pensamos em fazer canções que tivessem um conteúdo contestatório. Colocar
questões que fizessem parte das “feridas” da sociedade. A violência sexual era
pior nos anos 80, porque não era tão debatida quanto hoje. Existe maior
consciência por parte da sociedade e mecanismos de proteção que são fruto desta
discussão.
Em sua opinião,
as meninas hoje estão mais conscientes do problema?
Estão
um pouco mais, mas é triste constatar que a música brasileira de hoje não ajuda.
Uma pesquisa feita pela MTV há uns anos mostra que apenas Camila tratava desse
tema. De resto, assistimos estarrecidos ao avanço de estilos e temáticas que
pouco têm ajudado na conscientização do problema. Basta ver gente achando graça
quando algum funk se refere às garotas como cachorras, ou algum sertanejo fala
em um amor que beira à violência. Isso é um retrocesso. Triste, mas é verdade…