terça-feira, 31 de outubro de 2017

Miss Violence

Descrição para cegos: cena do filme em que se vê mãe, avó e irmãos de Angeliki, sentados ao redor da mesa de jantar, voltados para o espectador com olhar de medo.
Por Gislayne Borges

Como imaginar que uma comemoração em família poderia terminar em um suicídio, inicialmente sem causa aparente? É com essa atitude de fragilidade, que Angeliki, filha mais velha de três irmãos, surpreende a família no dia em que comemorava seu 11° aniversário. O que era para ser uma celebração, termina com um desfecho inesperado, que convida o espectador, nos primeiros minutos de filme, a desvendar o que está por trás dos mistérios que envolvem a morte da garota.



Angeliki caminha em direção à janela, sobe no parapeito e, com um sorriso enigmático, se joga do apartamento. A garota abre a porta de sua casa para que seja possível enxergar o que está aparentemente invisível, que todos parecem saber, mas fingem o contrário. O comportamento gélido dos personagens e a impassividade após o incidente, denunciam que algo está errado com aquela família, composta pelo patriarca, a mãe, as filhas Myrto e Eleni, e um casal de netos. Durante todo filme, a figura de Eleni e sua mãe se costura como mulheres submissas à autoridade do pai, sem autonomia para cuidar dos próprios filhos.
Premiado no Festival de Veneza de 2013, Miss Violence, em sua narrativa monótona, tem cenas longas e poucos diálogos, que são quebrados lentamente e substituídos por pequenos gestos, reveladores de abusos explícitos. Após uma hora de filme, podemos enxergar a face sombria que sufoca e reprime aquela família: o avô atencioso, preocupado com a educação dos netos, se configura um homem sombrio, capaz de manipular e abusar da família para conseguir prazer e dinheiro.
De forma inteligente, o diretor grego, Alexandro Avranas, expõe a realidade de famílias que convivem com a prática de abusos psicológicos e sexuais sofridos por crianças e adolescentes, numa problemática em que o agressor não é anônimo, mas alguém de confiança e proximidade, que aproveita dessa relação para o encobrimento do crime.
A abordagem do filme é predominantemente perturbadora do que violenta. O autor opta por descrever os acontecimentos de forma a causar desconforto no espectador. Nessa perspectiva, a impassividade da família sugere que, mesmo não sendo autores, como testemunhas a omissão torna-os cúmplices do mesmo crime.
        Dessa forma, o filme apresenta uma reflexão sobre as condições psicológicas e emocionais em que se encontram crianças e jovens vítimas desses abusos, levando o espectador a um envolvimento com o sofrimento Alkimini, Myrto e Eleni, vítimas orientadas pelo medo de revelar tais abusos. Com isso, podemos compreender que o pulo de Angeliki foi uma atitude desesperada em busca por libertação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar. Seu comentário será publicado em breve.