terça-feira, 30 de outubro de 2018

Me deixa ser criança só mais um pouquinho, nem que seja só por mais um dia?

Legenda para cegos: Legenda para cegos: Quatro crianças correndo atrás de uma bola, duas meninas ao centro e dois meninos nas pontas. Ao fundo gramado e árvores 
Por Rebeca Pontes

Creio que uma das melhores coisas do mundo seja ser criança. E talvez uma das melhores sensações seja a de fechar os olhos e relembrar de todos os momentos bons. Lembrar das brincadeiras de pique, das diversões nos parquinhos, das idas ao circo, da escola, dos passeios da escola (essa é uma das melhores partes), das brincadeiras com os amigos, irmãos, primos e vizinhos, dos desenhos na TV, dos jogos de tabuleiro e dos de videogame, também. Lembrar dos picolés, pirulitos, chicletes, da comida da vovó, das histórias do vovô, dos aniversários, da água gelada tomada escondida dos pais por conta de uma gripe. Lembrar das gripes, também, da mamãe mandando limpar o nariz, ou tomar nebulização, dos xaropes (menos dos de cereja ou tutti-fruit que sempre eram os piores e o médico insistia em dizer que era docinho e gostosinho, mas nunca eram, nunquinha), das quedas e arranhões, dos braços, pernas e dedos quebrados, talvez dos pontos, ou daquela cicatriz que ficou. Certo, talvez essas últimas lembranças não sejam tão boas, mas a maioria foram resultados de momentos bons.
        E ai você percebe que vão passando os anos, que aquela criança já não queria mais brincar apenas. A criança começa a querer conhecer o mundo, desvenda cada dia melhor a internet, começa a querer namorar e como é impossível esquecer o primeiro amor, lembro com carinho do dono do meu primeiro selinho e da minha primeira paixão mais intensa, e olha que nem era tão grandinha assim, mas já chorava por amor. Isso, surge o amor, aquele sentimento que “É fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é contentamento descontente é dor que desatina sem doer” como diria Camões, surge o amor que constrói e destrói tanta coisa e que é protagonista de tantas aventuras, que a gente acha que é para sempre, mas quase nunca é, pelo menos não nessa idade. Mas acreditamos no amor, fielmente, isso faz muita falta.
        Ainda se é tão verdinho e ainda se tem tanto à amadurecer, mas já se quer ser gente grande. Chega a hora que achamos que sabemos tudo sobre o mundo, que resolvemos enfrentar os nossos pais e viver nossa independência precoce. Meu Deus, se era nesse momento que eu sabia de tudo, me faz voltar àquela época, pois agora eu já não sei mais de nada. Olho ao redor perdida e cansada e atualmente não me encontro assim por ter me afastado demais de uma brincadeira de pique ou de uma trilha, daquelas que tem em toda colônia de férias. E é nesse momento que a dúvida chega com mais vigor, porque o tempo passou, afinal? Porque tive que crescer? E surge aquela súplica, meio de olho fechado, meio de olho aberto admirando o relógio e sonhando em voltar no tempo: Me deixa ser criança só mais um pouquinho, nem que seja só por mais um dia?
        Descobrimos que trabalhar não é tão divertido, e nem tão melhor do que estudar. Descobrimos que os anos de escola acabam, e não, não são infinitos, eu também achava isso. Percebemos que o ensino médio, que parece durar uma eternidade, na verdade é um sopro e que da alfabetização para o terceiro ano é um pulo um pouquinho mais alto. Daí em diante, ah, o tempo corre e você nem se atreva a querer correr junto, seja maduro! Você não é mais criança e correr é coisa de criança. Nada de brincar de pique, ou comer tanto doce (tem que ter cuidado com a saúde), nada de xarope, comprimido é mais prático, tente arrumar tempo pro parque, pro circo e pros passeios e também pra trabalhar, cuidar da casa, fazer comida, mamãe e papai já não fazem mais tudo por você, talvez, infelizmente, a vovó e o vovô já não estejam mais aqui pra mimar o seu netinho. E agora é você pelo mundo, tentando ser adulto, com saudade da finada criança e tentando agarrar um pouquinho da esperança e alegria de uns anos atrás.

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