quinta-feira, 15 de maio de 2014

Música dos anos 80 apresenta temática sobre exploração sexual de crianças e adolescentes

Descrição para cegos: foto em preto e branco mostra somente
a sobrancelha esquerda, parte do olho e cabelo de uma mulher
olhando para cima, à esquerda.


Na década de 80, uma das músicas que mais se ouvia nas rádios do país era Camila, Camila, da banda Nenhum de Nós. O que poucos sabem é que a letra desta canção faz referência ao abuso sexual sofrido por uma jovem e é utilizada inclusive em campanhas contra o abuso de crianças e adolescentes. Em entrevista para o blog Childhood Brasil, o vocalista Thedy Corrêa discorre sobre a temática da canção. Segue abaixo a entrevista na íntegra.  (Kamila Katrine)

Desde os anos 80, música“Camila, Camila”’ alerta sobre a violência sexual

“A lembrança do silêncio daquelas tardes
A vergonha no espelho naquelas marcas
Havia algo de insano naqueles olhos
Olhos insanos
Os olhos que passavam o dia a me vigiar, a me vigiar…
Eu que tenho medo até de suas mãos
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega” (Camila, Camila)

Quando ainda pouco ou nada se falava sobre abuso sexual de crianças e adolescentes no Brasil, a banda Nenhum de Nós ousou abordar o tema na década de 80 com a música “Camila, Camila“, hoje um clássico do rock nacional. O vocalista e autor da letra, Thedy Corrêa, conta como sentiu a necessidade de falar sobre o delicado assunto. Ele também lamenta que muitas músicas brasileiras ainda estimulem o sexismo e deturpem a imagem da mulher, quando deveriam conscientizar contra a violência sexual. Acompanhe a entrevista com o compositor:

O Dia Nacional de Combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes (18 de maio), foi criado há 12 anos, devido a um crime bárbaro com uma menina de oito anos, estuprada e morta carbonizada. Quinze anos antes, com a música Camila,Camila, sua banda já abordava o problema da violência sexual contra jovens. Existem muitas outras Camilas no país que guardam “lembranças do silêncio”‘ e “vergonha do espelho”. Você já pensava nisso na época?
Essa canção foi inspirada em fatos reais, envolvendo uma jovem que nós conhecíamos na época, em 1985. Era uma colega de escola bastante bonita com um namorado violento. Ficávamos intrigados com os motivos que levavam uma garota assim a se submeter e ser maltratada por um rapaz tão estúpido. Ouvimos algumas histórias de situações constrangedoras que ela sofreu e essa foi nossa “faísca criadora” para uma canção que falasse da violência contra a mulher. Por isso os “olhos insanos”, a “vergonha do espelho naquelas marcas”, além da tristeza e indignação na melodia. Hoje, ela vive super bem, tem uma linda família e está bem longe desse antigo namorado… Ainda bem!

Até hoje, a música é muito ouvida. Quando você compôs a letra, já passava pela sua cabeça que poderia ser um alerta para as adolescentes?
Quando escrevemos Camila, jamais esperávamos que fosse fazer tamanho sucesso – até mesmo pela temática complicada. Quando ela estourou, a questão se tornou uma constante em nossas entrevistas, e isso foi fantástico para que se abordasse o tema entre o público jovem.

Por que você acha que a música fez tanto sucesso?
Acredito se deva justamente à abordagem de um assunto que, infelizmente, ainda aflige a sociedade e as mulheres em geral. Não se trata de um tema ligado a um modismo ou uma linguagem datada. O assunto continua atual.

Você pensava na época em abordar temas delicados como o abuso sexual ou a exploração sexual de crianças e adolescentes e o que acha que mudou dos anos 80 para cá em relação ao assunto?
Sempre pensamos em fazer canções que tivessem um conteúdo contestatório. Colocar questões que fizessem parte das “feridas” da sociedade. A violência sexual era pior nos anos 80, porque não era tão debatida quanto hoje. Existe maior consciência por parte da sociedade e mecanismos de proteção que são fruto desta discussão.

Em sua opinião, as meninas hoje estão mais conscientes do problema?

Estão um pouco mais, mas é triste constatar que a música brasileira de hoje não ajuda. Uma pesquisa feita pela MTV há uns anos mostra que apenas Camila tratava desse tema. De resto, assistimos estarrecidos ao avanço de estilos e temáticas que pouco têm ajudado na conscientização do problema. Basta ver gente achando graça quando algum funk se refere às garotas como cachorras, ou algum sertanejo fala em um amor que beira à violência. Isso é um retrocesso. Triste, mas é verdade…

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